Foi, por isso,
sem surpresa que vimos um PEPAC que, no essencial, mantém a desregulação do
mercado, corta sem dó nem piedade no regime da pequena agricultura, diminui de
forma significativa os apoios em zonas de montanha nomeadamente nos Baldios, ou
“pinta de verde” explorações superintensivas, ainda que mantenham práticas
lesivas à preservação do Meio Ambiente e da biodiversidade.
O que não se
estaria à espera era que, a par de todas estas opções de política profundamente
erradas, o Governo português, esquecendo que um dos objectivos desta reforma
seria o da simplificação, estivesse a criar um autêntico “monstro” composto por
regras e burocracias que, em algumas situações, dificilmente serão passíveis de
pôr em prática pela Administração e/ou de serem cumpridos pelos agricultores.
O novo PEPAC tem
mais de 100 medidas, é certo que junta todos os apoios: as ajudas directas, o
apoio ao investimento, as poucas medidas de mercado que ainda subsistem, mas,
se nos reportamos apenas às ajudas directas, verificamos, face ao anterior
Quadro da PAC, um aumento significativo de medidas e, por consequência, também
de regras, obrigações, indicadores (e por aí em diante).
O que se afigura
como certo é que a grande maioria dos agricultores, para manter o mesmo nível
de apoios que tinham antes, terão de se candidatar a mais medidas, terão mais
regras e limitações no exercício da sua actividade, com perdas de rendimento
devido ao aumento dos custos resultantes destas novas imposições.
A confusão é tal
que, a pouco mais de um mês do início das candidaturas [entretanto anunciado
para Março] não há legislação publicada, nos serviços reina o desnorte (com
cada um a puxar para o seu lado), há culturas já instaladas no terreno e os
Agricultores não sabem o que fazer e como se organizar.
Um exemplo
simples: para ter acesso a certas ajudas o agricultor será obrigado a possuir
um caderno de campo em formato digital, obrigação que resulta da cegueira da
política orientada para resultados, e a que poucos agricultores conseguiram
escapar. O caderno de campo é um documento fundamental em qualquer exploração
agrícola e ninguém dúvida disso, se estiver em formato digital, melhor, dado
que aumentam as possibilidades de utilização desses dados para uma melhor
gestão da exploração - também ninguém dúvida disto. O que temos de analisar é
quantos agricultores estão hoje capazes te ter esse caderno de campo digital,
quantos têm computador? Quantos, mesmo que tivessem computador, o conseguiriam
utilizar? Bem, dirão alguns, o agricultor pode sempre contratar esses serviços
e é aqui que reside a questão, é que numa pequena exploração familiar, com
margens de lucro completamente esmagadas pelo sacrossanto mercado, todos os
cêntimos contam e podem bem ser estes custos, juntos, que ditam o fim da sua
actividade.
No Terreiro do
Paço e em Bruxelas, estará tudo bem, os dados chegam agora de forma mais rápida
à perfeita “folha de cálculo”, e se, paulatinamente, encerrarem mais uns
milhares de pequenas explorações, também não haverá grande problema, a
concentração da produção em explorações de maior dimensão resolve. O problema é
que os efeitos vão muito mais longe. As aldeias e vilas do mundo rural vão
ficar mais despidas de gente, num definhar lento, mas infelizmente contínuo.
Perguntarão: mas
o PEPAC poderia ser diferente? Claro que podia, fossem outras as opções
políticas e tudo poderia ser muito diferente. E não é por incompetência… é
absolutamente deliberado!
Artigo de Opinião
publicado na revista Voz da Terra n.º 111 - Novembro/Dezembro 2022